Edição 99 de Jan/Fev de 2006
Cana limpa
Exigências de qualidade no açúcar potencializam a importância do processamento de matéria-prima livre de impurezas

As duas unidades industriais da Açúcar Guarani, localizadas em Olímpia e Severínia, no interior de São Paulo, moeram juntas 5,4 milhões de toneladas de cana na safra 2005/2006, volume 20,3% superior ao esmagamento registrado no ciclo anterior. A produção de açúcar, que somou 575 mil toneladas também verificou alta - 19,79% superior em relação à temporada passada.

Tradicionalmente açucareiro, o Grupo absorveu parte da demanda internacional e incrementou as exportações do produto em quase 50%. A Guarani comercializou para o mercado externo 178,5 mil toneladas de açúcar, contra 119,6 mil toneladas na safra anterior.

Estas estatísticas, embora dependam de tendências de mercado para serem indicadas com precisão, devem crescer ainda mais. Um planejamento traçado pela diretoria da empresa há quatro anos projeta alcançar a moagem de 6,1 milhões de toneladas de cana por suas duas unidades industriais na safra 2008/2009.

Como a Açúcar Guarani não é o único grupo interessado nas superlativas oportunidades que o mercado sucroalcooleiro aspira oferecer, a empresa já se prepara para enfrentar a concorrência. A estratégia não contempla nenhum plano de ação especialmente arquitetado. Pelo contrário, a ferramenta escolhida pode até denotar obviedade. “Para ficar nos melhores mercados e obter os melhores lucros, temos que prosseguir fazendo produtos de alta qualidade”, ensina o presidente da Guarani, Jean Claude Religieux.

O argumento “clichê”, entretanto, não representa uma simples artimanha para despistar possíveis concorrentes. Chavão em qualquer setor da economia globalizada, a qualidade, no caso do setor sucroalcooleiro, exige metodologias de produção particulares – às vezes negligenciadas.

Só chega às moendas e difusores da Guarani a cana que for entregue, por colaboradores ou fornecedores das usinas, limpa e fresca, sem terra, sem folha. “É o primeiro passo para se fazer produtos de qualidade”, frisa Religieux.

Segundo o presidente, deve haver harmonia em toda a cadeia produtiva, desde a área agrícola até a entrega aos clientes.

O açúcar hoje é comercializado de acordo com a sua qualidade e classificado em categorias, restrições impostas com rigor, sobretudo pelo mercado externo. “Se a cana colhida for livre de impurezas, melhor qualidade terá o açúcar”, reitera o professor da Universidade Federal de São Carlos, Victório Laerte Furlani Neto, diretor da Consmec, Consultoria em Mecanização Canavieira.

É no campo, portanto, que o faturamento da usina começa a ser determinado. “Os clientes são os nossos patrões, todo dinheiro que entra no nosso caixa sai dos bolsos dos clientes, claro!”, exclama Jean Claude Religieux.

Qualidade da cana

O conceito sobre a qualidade da cana se expande proporcionalmente ao aumento das exigências à qualidade do açúcar. “Hoje, uma cana com qualidade, deve apresentar um alto teor de P2O5, de fácil decantação, baixo teor de polissacarídeos (amido e dextrana) e com baixo teor de corantes ou compostos precursores da cor como aminoácidos e polifenóis”, explica o professor do Departamento de Tecnologia Agroindustrial e Sócio-economia Rural da UFSCar, Cláudio Hartkopf Lopes.

O teor de açúcar, o teor de fibra, a pureza do caldo, o tempo entre a queima ou a colheita e o processamento, a densidade dos colmos, o grau de isoporização, a extensão de danos devidos a pragas ou doenças são outros fatores também considerados.

Muitas dessas exigências estão associadas à condição da cana colhida no campo, que deve ser madura, sem a presença de impurezas vegetais e minerais e fresca (recém cortada). “Não tem fórmula mágica para limpar a cana na indústria. A matéria-prima tem que vir limpa do canavial”, diz Furlani Neto.

Ao chegar à usina, a matéria-prima pode apresentar dois tipos de impurezas: vegetais e minerais. Os volumes colhidos manualmente e carregados por máquinas têm alto teor de impurezas minerais (terra e areia). Já a cana colhida mecanicamente demonstra incorporação de impurezas de origem vegetal, como restos de folhas palhiço e pontas.

A impureza mineral é considerada mais danosa ao processo industrial. Uma unidade média que mói 2 milhões de toneladas por safra, com impurezas minerais da ordem de 20 kg/ton de cana, ao final da temporada terá acumulado o equivalente a 40 mil toneladas de terra.

A impureza mineral é a principal responsável pelo desgaste por abrasão dos equipamentos utilizados na alimentação, preparo e moagem da cana e no tratamento do caldo - a intensidade destes desgastes tem relação direta com a degradação das máquinas durante a safra e a perda de seu desempenho. “É normal observar uma queda de até 1% da extração média da moenda durante a safra devido ao desgaste de seus componentes”, calcula o gestor de P&D do Centro de Tecnologia Canavieira, Paulo de Tarso Delfini.

Com o aumento da terra na cana, também se elevam os déficits de açúcar principalmente durante a lavagem da cana e no processo de torta de filtro. Segundo Delfini, a perda de sacarose no tratamento do caldo está diretamente relacionada com o aumento das impurezas minerais e o respectivo crescimento da quantidade de torta produzida por tonelada de cana processada.

Além disso, a terra carrega a contaminação de microrganismos. “É na terra que está a maior quantidade de bactérias prejudiciais à fermentação e, também, as leveduras selvagens que causam sérios prejuízos e aumento do gasto de insumos”, complementa o coordenador cientifico da Fermentec, Mário Lúcio Lopes.

As impurezas vegetais também comprometem a qualidade do açúcar. Pesquisas da Unesp (Campus Jaboticabal) revelam que cada 3 kg de material indesejado por tonelada de cana representam 10 kg a menos de açúcar. Cálculos preliminares divulgados por Cláudio Lopes indicam 1 % de impurezas vegetais adicionais na cana representam perda de 0,1 kg de sacarose por queda de extração na moenda.

As perdas decorrentes das impurezas vegetais estão relacionadas com o arraste de sacarose no bagaço final devido ao aumento da parcela de fibra no material. ”A impureza vegetal aumenta o consumo de energia e desgaste no sistema de preparo da cana, reduz a capacidade de moagem, ‘arrasta’ açúcar e água para o bagaço final e aumenta a cor e os teores de amido e de cinzas no caldo extraído”, resume Delfini.

Ensaios realizados pelo CTC confirmaram que a redução da capacidade de moagem é proporcional à metade da variação do teor de fibra do material processado. “Se a impureza vegetal aumentar o teor de fibra do material sendo processado em 10%, isto resultará num decréscimo da capacidade de aproximadamente 5 %”, avalia o gestor da entidade.

Estudos promovidos na Austrália com cana sem queimar, com níveis de impureza vegetal entre 5,9% a 12,7%, mostraram uma redução de 13% na capacidade de moagem, uma diminuição de 8,6% do açúcar recuperável e um aumento na cor do caldo de aproximadamente 30%.

No Brasil, para cana queimada, valores na faixa de 1% a 3% de impureza vegetal presentes na cana podem ser considerados normais. Quando a matéria-prima é crua, estes valores sobem para a faixa de 5% a 7% – as avaliações são do CTC. Nos casos de impurezas minerais, níveis acima de 0,5% a 0,7% devem ser evitados quando a usina não utiliza nenhum processo de limpeza industrial.

Segundo o consultor Furlani Neto, na região Centro-Sul, as unidades trabalham com uma média de 10 kg a 12 kg de terra por tonelada de cana. “Mas algumas usinas já conseguem atingir limites de até 4 kg por tonelada”. A Fermentec garante, entretanto, que por outro lado ainda é possível encontrar no Brasil usinas que operam com teores de terra na cana acima de 15 Kg/ton.

Programa Cana Limpa

Para diminuir estes índices e ganhar competitividade no mercado, algumas usinas têm recorrido à administração de programas de treinamento destinados aos colaboradores envolvidos nos processos de carregamento, transporte e, principalmente, corte da cana.
Consultor especializado em projetos de “Cana Limpa”, Furlani Neto tem viajado do Amazonas ao Nordeste, além do Espírito Santo e São Paulo, onde está a sua maior concentração de clientes, para coordenar a introdução desse programa em diversas usinas. “A busca tem crescido muito”, confirma.

Projetos dessa natureza são encarados pelas usinas adeptas como uma das maneiras mais eficientes de agregar preço ao produto final. “Qualquer programa bem conduzido e gerenciado visando a melhoria da qualidade da matéria prima, levando em conta também os demais fatores, resultam em grandes benefícios para a indústria”, assegura Delfini.

Segundo o professor Cláudio Lopes, da UFSCar, o programa pode oferecer melhorias ao sistema operacional da indústria. Uma vantagem apontada é a manipulação de cana com um menor teor de impurezas minerais, para a conseqüente redução da carga de trabalho no decantador e no filtro.

O Grupo José Pessoa se interessou pelo programa de incentivo à melhoria do corte de cana. Estabeleceu no ano passado o projeto em três das suas 11 unidades. Além da melhora a qualidade do produto final, o gerente corporativo de Recursos Humanos do conglomerado, Luciano Soares, lista outros resultados: “Um importante benefício é a redução do desgaste dos equipamentos da indústria e das máquinas mecânicas e a redução do uso de insumos químicos para clarificação”.
As unidades Santana, CBBA/Icem e Benálcool estão incluídas no projeto do Grupo José Pessoa. Segundo o gerente de RH, o programa deve ser estendido em 2006 para as outras oito usinas que formam a companhia. Os fornecedores independentes também podem ser inseridos na iniciativa.

Todos os rendimentos industriais das usinas foram incrementados com a cana limpa. O Grupo ainda não dispõe de números precisos por unidade, mas destaca a melhoria no processo como um todo para recomendar a introdução do sistema nas demais unidades da empresa. “Em termos genéricos, pode-se atribuir um ganho de 5% na produtividade geral”, comenta o gerente industrial das unidades Santana e CBAA-Icém, Paulo Carvalheira.

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