Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 143 – 2008

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Sob nova gestão
A automação pode ajudar o setor sucroalcooleiro nacional a administrar melhor seus negócios, atingidos imediatamente pela crise financeira mundial
Usina de açúcar, energia e etanol: setor está alavancado e enfrenta dificuldades com restrição de crédito

Todo final de ano é aquela velha história: a mídia explora a curiosidade e a crença das pessoas para ganhar audiência com divulgação de matérias que entrevistam “profissionais” especializados em tarô, búzios, cartas, astrologia – na TV e nos jornais, eles fazem as previsões para o próximo ano. Mas não é preciso ser sensitivo ou mediúnico para antever que o setor sucroalcooleiro nacional conviverá com muitas dificuldades em 2009.

O período chega precedido por dois movimentos que abalaram o setor recentemente: dois anos de preços ruins para açúcar e etanol e o agravamento da crise financeira mundial. Por estar alavancado (endividado) devido a grande volume de investimentos realizados recentemente, o segmento canavieiro foi um dos primeiros setores da economia brasileira a sinalizar o reflexo da turbulência econômica.

Atento a oportunidades de crescimento mundial do uso de etanol, o Brasil construiu quase 90 usinas de açúcar e álcool desde 2005. As unidades já existentes também passaram por reformas e projetos de modernização. Os investimentos devem ultrapassar US$ 30 bilhões até 2012 - captados por financiamentos às vezes superiores aos próprios passivos das usinas.

A restrição de crédito provocada desde setembro pela crise mundial influenciou imediatamente o caixa das empresas sucroalcooleira, que utilizam capital de giro para financiar suas safras.

“Com a falta de crédito, as indústrias diminuíram o crescimento e terão que administrar os investimentos anteriores. Por isso, acredito que 2009 será um pouco mais difícil”, aponta o empresário Mario Garrefa, presidente do Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroalcooleiro e Energético (Ceise BR).

Mas os efeitos da crise podem ser menos intensos para algumas usinas. Fazem parte desse grupo as unidades que investiram em tecnologia para aumentar competitividade – além de caldeiras ou moendas mais eficientes, a característica é uma vantagem oferecida pela automação.

No setor sucroalcooleiro, o diferencial competitivo pode se manifestar nas usinas que substituíram os tradicionais sistemas analógicos por processos digitais e promoveram integração entre as várias áreas da planta tradicionalmente operadas em ilhas isoladas. Essas ações podem resultar em redução de custos - uma meta que nunca foi tão perseguida quanto agora.

Divulgação/SP Studio
Tecnologia de digitalização: muitas empresas ainda operam seus processos manualmente, com automação estabelecida no chão-de-fábrica

A automação no setor

Desde o início da crise, três grupos tradicionais do setor no Brasil - Companhia Albertina, João Lyra e Naoum - já recorreram à Justiça com pedidos de recuperação judicial. Se a turbulência e a restrição de crédito se prolongarem, outras empresas podem sucumbir. As unidades que mantiveram suas gestões com base na tecnologia tradicional são as mais propensas a entrar nessa fila.

Embora existam usinas que já planejaram migração para a tecnologia digital, muitas empresas ainda operam seus processos manualmente, com automação estabelecida no chão-de-fábrica, restrita a pequenas malhas de controle.

Participam deste universo usinas que fazem a gestão por meio de planilhas ou com softwares específicos para determinada tarefa e foco direcionado ao instrumento – e sem integração entre áreas. Não há atenção ao uso da informação e ao valor que ela poderia agregar ao negócio.

A arquitetura prevê a distribuição de atuadores e sensores por todas as áreas da planta para monitorarem equipamentos e devolverem essa informação para o controle. “Para isso, a usina pode ter várias ilhas diferentes de controle na planta. Cada uma operando por sua conta e independentes entre si”, descreve o gerente geral de automação industrial da Siemens, Pablo Roberto Fava.

Com esse nível de informatização, as respostas demoram mais para serem obtidas. O administrador precisa tomar a decisão e espera pela informação – nesse contexto, o operador precisa, literalmente, correr atrás dos dados.

Outra diferença é o uso de soluções distintas aplicadas em cada área da planta industrial – há vários produtos e dificuldade de integração e comunicação.

Um dado da geração de vapor necessário, por exemplo, para fabricação de açúcar não é disponibilizado facilmente. “O operador precisa perguntar a informação por rádio. Essa demora dificulta a tomada de decisões, como uma ação corretiva por parte da equipe de manutenção”, aponta o diretor técnico da Atma Automação, Paulo Lattaro.

O objetivo desta arquitetura é apenas fazer com que o equipamento trabalhe da maneira desejada pela usina - oferece informação para o gestor do processo e não proporciona dados que possam interessar ao nível gerencial e administrativo.

De um modo geral, essas soluções serviam às necessidades do mercado setorial em que estava inserido até recentemente o setor sucroalcooleiro nacional, mas não atendem as normas e requerimentos do ambiente global atual.

Quem antes pensava apenas em produzir, hoje precisa produzir muito e com qualidade. Segundo Lattaro, a automação não pode ser feita mais isoladamente nem com o objetivo único de comandar o processo. “Hoje não existe mais uma célula produtiva. Existe uma unidade geradora de álcool, açúcar e energia. Isso necessita velocidades de atuação e de decisões que um ser humano com pranchetas na mão não consegue ter”, diz Lattaro.

Em geral, mas principalmente em épocas de crise, quem está fazendo a gestão vai precisar de indicadores (performance, eficiência, qualidade) para tomar a decisão e administrar o negócio com eficiência. Informação, visibilidade de processo, qualidade dos dados e controle não são mais opcionais – tornaram-se vitais.

A competição global tem exigido das empresas respostas cada vez mais rápidas e precisas, comprometimento com prazos com máxima produtividade e qualidade, redução de custos e margens. Para conseguir melhor qualidade e produtividade, é preciso tecnologia, apontam os especialistas e usuários.

Segundo o coordenador de automação do Grupo Alto Alegre, Aldemir Ernesto, o mercado muda diariamente e expõe as usinas a influências internas e externas, cenário que tem obrigado as empresas a se preocuparem com todos os aspectos do seu processo produtivo. “Essas atribuições eram satisfatórias com a utilização de apenas um software ERP. Hoje, porém tem-se a necessidade de outras fontes de informações”, explica.

O comportamento exige gerenciamento integrado e automação do chão-de-fábrica ao nível corporativo, tecnologia para ter controle 100% da usina, 24 horas por dia, para agilizar o processo de decisão. “Há uma profunda preocupação com a instalação das redes corporativas, conectadas à rede de controle da planta fornecendo informação à ponta da pirâmide. Hoje, a automação não é mais dos instrumentos, é do negócio”, comenta o gerente de marketing da Smar, César Cassiolato.

O conceito da automação integrada compreende a configuração comum e uniforme de todos os componentes do sistema de automação, com gerenciamento comum dos dados em uma única base e comunicação interligada, baseada em redes (Profibus e Ethernet, por exemplo), com acesso a todas as informações on line e em tempo real.Com a integração da automação, a usina deixa de ter áreas dispersas com soluções distintas. Os vários departamentos da planta – moagem, destilaria, elétrica, por exemplo – trocam informações o tempo todo, monitorados por um único centro de controle, o COI. O parque industrial também passa a enviar dados para a administração por interligação com os setores de tecnologia de informação e investimentos.

Competitividade global: contexto necessita velocidades de decisões que um ser humano com pranchetas na mão não consegue ter

Benefícios da integração

 Redução do tempo de engenharia
 Aumento de produtividade
 Reconhecimento e eliminação rápida de erros e falhas
 Redução de tempo de paradas
 Aumento da disponibilidade da planta
 Redução dos custos de ciclo de vida e Respostas rápidas a mudanças da situação do mercado
 Acompanhamento para manutenção e diagnose remota do sistema durante a safra
 Redução drástica na infra-estrutura de cabeamento
 Inclusão de novos equipamentos durante a safra sem a necessidade de parar a produção

Fonte: Siemens, Smar, Atma e Grupo Alto Alegre

Usina pioneira

Essa foi a arquitetura escolhida pelo Grupo Alto Alegre quando decidiu inaugurar a Usina Santo Inácio, em junho de 2007. A companhia entendeu que a implantação de tecnologias para melhoria da gestão de informações poderia estruturar sua planta para uma realidade mais produtiva.

O conceito descartava, já no projeto, a administração de processos manuais. Para deixar a Santo Inácio pronta a atender às necessidades do mercado local e internacional, o Grupo Alto Alegre, que tem outras três usinas, decidiu adotar novas soluções em mobilidade - e pioneiramente no Brasil iniciou o processo de integração total da automação instalada na planta.

Para aumentar a fonte de informações, a Santo Inácio - que processa 2,5 milhões de toneladas de cana e produz 125 milhões de litros de álcool por safra – utiliza uma arquitetura Cliente Servidor com redes Profibus e ASI no campo. Há ainda um centro de operações com todas as áreas do processo industrial agrupados em uma única sala.

Além das áreas relativas ao processo industrial, a usina também integrou os sistemas de Controle de Qualidade (LIMS) e pesagem de cana. Agora está sendo realizado o processo de integração dos sistemas de manutenção industrial.

A integração com uso de programas PIMS e MES proporciona a troca de informações direta entre a manufatura e os sistemas de CRM SCM e ERP. Além do chão-de-fábrica, interligam dados de produção e de faturamento. De acordo com Ernesto, o resultado é a potencialização do sistema de negócios com informações precisas, confiáveis e on-line.

O processo de integração terá novas etapas nos próximos anos. O sistema ERP ainda não foi unificado. “Estamos analisando que nível de integração será necessário. Os sistemas de controle agrícola e manutenção industrial estão em processo de integração. A previsão é estarmos finalizando estes trabalhos na próxima safra”, comenta Ernesto.

A decisão pela integração foi baseada na observação do sistema de controle de outras duas unidades do Grupo, que tinham modelo de automação concentrado em ilhas, sem interligação. Também não havia banco de dados e, para ter acesso às informações, o gestor precisava ir até o local e verificar os gráficos existentes ou por meio de levantamentos - de acordo com cada situação, o tomador de decisão esperava alguns dias para conseguir as informações necessárias.

Devido às restrições tecnológicas e a falta de uma base de dados, as informações do Grupo Alto Alegre eram procuradas somente quando as usinas apresentavam alguma anomalia ou ocorrência. Atualmente, com as facilidades do sistema integrado, o gestor está constantemente monitorando o processo por meio de telas sinóticas e gráficos - tudo em tempo real.

Para Ernesto, o principal benefício é a democratização das informações do chão-de- fábrica e a sua integração aos sistemas de gestão da empresa. “A tecnologia proporciona aos gestores uma imagem real de como está o processo produtivo e quais medidas podem ser tomadas para correção ou melhoria. Isso, com certeza, vai refletir em redução de custos e ganho de qualidade”, acredita.

Com este sistema, o gestor pode decidir, por exemplo, se é mais vantajoso fabricar açúcar em épocas de preços baixos para álcool observando a tendência de produção da usina e as demandas já contratadas. No processo tradicional, para tomar essa decisão, o administrador precisava marcar reunião com subordinados.

Atualmente todas as unidades foram padronizadas com a arquitetura Cliente Servidor. Segundo Ernesto, a configuração antiga se tornou insuficiente. “Devido à concorrência no setor, o mercado exige cada vez mais diminuir custos e aumentar a eficiência industrial. Tudo isso com qualidade superior. Mas, com a deficiência de aquisição das informações do processo, a arquitetura anterior não nos atenderiam nos dias atuais”.

Com a automação integrada, o Grupo Alto Alegre vislumbra garantir ganhos com agilidade na tomada de decisões, redução nos custos de manutenção ao longo da vida útil da planta e qualidade no processo todo – para atender a demanda dentro dos prazos e características desejadas.

“O sistema integrado permite dinâmica empresarial e oferece segurança nas tomadas de decisões, que passam a ser fundamentadas em informações precisas e coordenadas. Indubitavelmente esta é a melhor ferramenta de gestão para uma empresa que deseja atender o novo cenário do mercado global”, frisa o coordenador do Grupo Alto Alegre.
Tendência futura

Além do controle eficaz da produção, os dados serão fonte de informação imprescindível para o planejamento de novos investimentos do Grupo Alto Alegre. Para Ernesto, esse diferencial vai resultar em ganhos na qualidade e redução de custos, que são os requisitos do mercado global.

Como ressalta o gerente da Alto Alegre, a integração está se tornando uma necessidade para as usinas brasileiras. Outros investidores estão atentos à tecnologia. “Hoje, não vendemos plantas novas sem relés inteligentes e protocolos de comunicação. A evolução tecnológica acelerou muito expressivamente nas usinas, principalmente nos projetos novos”, conta Fava, da Siemens.

Mas o conceito ainda é recente no Brasil – a primeira aplicação foi realizada em 2004. No universo atual de cerca de 400 usinas em operação, o modelo está restrito a pouca sunidades. A disseminação total ainda deve demorar alguns anos.

A tendência, porém, é considerada inevitável. “O mercado está mais acirrado, a usina tem que produzir produto de melhor qualidade, com menor custo possível. As usinas que não forem para esse caminho correm o risco de serem improdutivas”, conclui o engenheiro de aplicação da Smar, Marcus Vinícius Ribeiro.

Divulgação/Grupo Alto Alegre
Caldeira da Usina Santo Inácio: Grupo Alto Alegre se sente preparado para atender o novo cenário do mercado global

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